Santo Angelo, 28 de março de 1871
Meus caros, adorados pais!
Estou cheio de admiração pelo amor que vocês me tem dado, um russo desconhecido, mas sincero, permitindo à sua amada filha que fosse minha companheira de vida. Eu lhes agradeço do fundo do coração e ao bom Deus por esta confiança e estima e rezo que o Senhor lhes recompense totalmente. Eu só posso imaginar o conflito em seus corações e mentes, a dor da despedida em permitir que sua filha viajasse às selvas do Brasil e entregá-la confiantemente às mãos de um russo desconhecido para compartilhar a sua vida; mas este é o meu consolo, que os meus queridos pais também sofreram este conflito, permitindo que o seu único filho, de quem necessitavam muito no trabalho, mas por amor ao próximo, lhe permitiram que partisse à esta terra distante. Este grande amor de vocês me envergonha e eu prometo que com tudo que está em meu poder vou proteger e cuidar de sua querida filha, e farei tudo que é possivel para que seja feliz e confortável e que não tenha saudades, mas que esteja a vontade com seu Eduard.
Não podem imaginar como me senti quando, depois de esperar dois anos, na sexta-feira de manhã, 20 de janeiro, recebi uma carta de minha querida Johanna de Porto Alegre e uma carta do Pastor Kleingünther que me informou que Johanna chegaria a Rio Pardo, a umas 20 léguas daqui, no sábado dia 21 e que eu fosse a seu encontro. Não sei nem como dizer-lhes como me senti! Primeiro, porque no próximo domingo eu tinha de viajar quatro horas até outra comunidade para pregar, em segundo lugar porque me faltavam algumas coisas para a viagem e terceiro, se me seria possível chegar à tempo. Assim, para poder sair mais depressa tive de escrever à outra comunidade, tive de comunicar-me com o empregado que daria de comer aos dois cavalos, tive de preparar minhas roupas e às 3 horas eu me encontrava a caminho, acompanhado de um rapaz da estrebaria. Nesta viagem os meus cavalos foram cavalgados até estarem exaustos, pois andamos 20 léguas em 19 horas e chegamos em Rio Pardo sábado de tarde. O vapor chegou e minha noiva querida não estava a bordo! Fiquei em Rio Pardo até o sábado seguinte, mas ela também não estava neste vapor. Eu sabia que a culpa não era da Johanna, pois, não estava acostumada com os métodos locais, mas sei que a culpa foi do Pastor Kleingünther que causou toda esta pressa de minha parte. Logo mandei um telegrama a POA informando que estava esperando por Johanna desde sábado de tarde e que fizessem o favor de informar a ela. Para não gastar muito dinheiro o rapaz e eu viajamos a Santa Cruz onde nos hospedamos com a Senhora Bergfried, cujo esposo estava em POA naquela ocasião e devería voltar com Johanna. Depois de esperar 8 dias tomei uma carroça até Rio Pardo e cheguei um dia atrasado, pois, o vapor já tinha chegado, mas, finalmente, com a minha querida a bordo!
Depois de achar toda a bagagem e pô-la na carroça voltamos a Santa Cruz onde nos casamos dia 30 de janeiro e onde ficamos mais alguns dias. Apesar de todo o carinho que nos foi mostrado e apesar dos arranjos festivos do casamento, sentimos muito a ausência dos entes mais queridos, os nossos pais. Nosso casamento, ou seja, a cerimônia foi uma ocasião importante e a igreja estava decorada com palmeiras e flores. Eu acho que esta festança foi uma indicação para mim da afeição da comunidade, pois, estão com esperanças que eu seja o seu novo pastor. Há um ano eu passei umas semanas nesta vizinhança e preguei em quatro comunidades e assim sou bem conhecido aí. O meu salário aí seria o dobro do que recebo agora, mas eu prefiro ficar onde posso fazer o que eu quero. Estou encantado que minha querida Johanna pensa o mesmo e quer permanecer onde estamos agora.
Finalmente começamos a viagem de volta, depois de abastecer-nos com muita comida e vinho, pois, não se pode beber a água, a não ser que adicionem um pouco de vinho e açúcar. Nesta comunidade eu também sou o médico e tive de advertir à minha querida Johanna, assim como se adverte a uma criança, que não abuse das frutas frescas como laranjas, figos e uvas, pois, podem causar muito mal.
A viagem de volta transcorreu sem dificuldades e chegamos em casa na noite de sexta-feira, 3 de fevereiro, sendo bem-vindos pela selva acolhedora e onde despertamos na manhã seguinte com o mugir dos bugios. Em seguida, a jovem esposa do pastor foi cumprimentada por seu papagaio que gritava “Peter tem fome, Peter quer pão, Peter tem fome, 1-2-3” para o encanto de sua nova patroa.
Aí vieram as meninas, um grupo grande, e cumprimentaram a jovem esposa com uma canção que tinham escrito elas mesmo:
Bem-vinda, bem-vinda! que prazer nos dá
vê-la aqui com todas nós
Aguardamo-la por tanto tempo
e finalmente você está aqui!
Esperamos com saudade
e pensamos que já não vinha
Mas aí vieram as boas noticias, e festejamos alegremente:
O Senhor Pastor chega hoje e traz sua amada noiva!
Agora queremos cantar e celebrar,
glorificar nossa nova mestra,
porque você nos traz amor e felicidade,
e a nossa quieta igreja!
Agora nosso prazer é dobrado
em estar com nossa professora e mestra!
Esperamos ouvir que o Senhor
abençoou sua felicidade!
Naturalmente, a curiosidade foi demais e as vizinhas apareceram para admirar a esposa do pastor, dos pés a cabeça, mas este desejo não foi concedido, pois, o Sr. Papenheimer sabia bem quais eram as intenções delas e encurtou a sua visita. Existe uma expressão aqui que diz “ O Brasil é o paraíso dos macacos” e um observador imóvel pode descobrir que esta terra tem tal influência magnética em alguns imigrantes alemães, que eles não podem afastar-se dos bugios e confraternizar com eles. Estes macacos fazem muito alarido quando esperamos chuva, mas pior é o barulho dos seres humanos libertados da opressão de seus amos e que não sabem lidar com a liberdade e se comportam pior que os macacos! Recentemente Johanna e eu cavalgamos dentro do mato onde observamos uma familia de macacos que pacíficamente viviam lado a lado, com os filhotes nas costas, balançando de galho em galho e nos observando ao mesmo tempo. Esta serenidade não se acha entre os habitantes locais, pois, o desejo de fazer fortuna causa muita tentação e brigas. Desde que cheguei tive de observar muitas brigas e desgostos, e tive de ser testemunha de tudo, ainda sozinho, estes homens que se consideram heróis. Dou graças ao Senhor que me trouxe aqui e permitiu que minha querida companheira Johanna esteja ao meu lado. Este ano passado me trouxe muitos problemas com a selvageria destes humanos, os quais já me assaltaram, até na igreja durante o sermão e causaram tanta amargura que eu fiz as malas e deixei aquela comunidade em 8 dias. Eu já viajei muito durante a minha vida, Estônia, Lituânia, Churland e quase toda a Rússia, mas nunca encontrei um grupo de pessoas como estes “membros” de minha última comunidade Provavelmente muito do sofrimento e desgosto não teria ocorrido se Johanna tivesse chegado um ano antes, mas creio que como é agora talvez deveria ser. De momento só tenho duas comunidades, em vez das quatro que eu tinha antes, e o meu salário ficou o mesmo. A minha comunidade anterior estava construída como um mercadinho, entre duas tavernas e era impossível dormir domingos de noite por causa das brigas, porque aqui não há baile que não termine em brigas.
Nossa paróquia agora está situada no meio da selva e gozaríamos da quietude e do silêncio se nos deixassem sozinhos, mas não, aqui vem um doente sofrendo de dores e outro com mais problemas e assim o dia todo estamos rodeados de gente. Em minha primeira paróquia eu estava bem organizado e só faltava a dona de casa. Mesmo sendo solteiro eu tinha uma vaca, cavalos, galinhas e cercados e quintais e tudo paguei com meu dinheiro, enquanto que os membros da comunidade não ajudavam nada - mas para proteger minha vida e para evitar que Johanna tivesse de viver entre selvagens abandonei tudo e aceitei a posição nesta paróquia.
Em minha primeira paróquia todos os membros eram democratas que haviam emigrado em 1842 e continuavam com seu espírito de animosidade e violência.
Cada imigrante e cada servo liberado recebe do governo de 2 a 300 extensões da selva que eles tem de transformar em terra arável.
É impossível cultivar algo durante os primeiros três anos. Primeiro são removidos os cipós das árvores e, então, estas são cortadas e depois de três semanas tudo é queimado. Depois se cavam buracos com a enxada e se plantam feijão, arroz, batatas, etc. e se espera que o bom Deus os abençoe com chuvas e sol e uma boa colheita. Durante os primeiros anos é impossível arar e todo o trabalho é feito com a enxada. Colhem-se batatas, milho e ervilhas duas vezes por ano e em algumas regiões, três vezes. Com um mínimo de esforço uma pessoa pode ter um bom futuro. No povoado de Santa Cruz, onde nos casamos, eu conheço muitos agricultores que recebem 1.000 mil réis (um conto) de juros por ano. Minha comunidade não tem esta sorte, pois, só tem sete anos de plantação e devido à distância é muito difícil transportar os bens.
Aqui um agricultor com três anos de lavoura e que começou a fazer empréstimos tem de 3 a 5 cavalos, de 2 a 4 vacas, de 10 a 25 leitões, de 60 a 80 galinhas e de 15 a 30 patos e todos estes animais devem ser tratados com milho. A melhor safra é o tabaco, por exemplo, um imigrante recém-chegado teve um lucro de 500 mil réis.
Esta é uma vida de abandono, cada domingo um charuto fedorento debaixo do nariz, o chapéu empoleirado numa orelha, alma de assassinos, cavalgando pela vizinhança cheios de brio e dando inveja a muito trabalhador. Estes cavalheiros antipáticos estragavam o meu dia, mas não mais, desde que chegou a minha preciosa Johanna ela elevou meu espírito e não aguento mais a impertinência destes homens. A falta de respeito, ou como dizem os meus contemporâneos de Pomerânia, a crueldade destes indivíduos ultrapassa a imaginação. Cada vez que eles tem um problema, por pequeno que seja, vem correndo para mim, e eu, o russo amigo, vou além do meu dever em ajudar-lhes. Durante o mais escuro da noite eu cavalgo pela selva para ver um doente e aliviar a sua dor, sangrando ou dando um ou outro remédio, e como me pagam? xingando e discutindo.
Apesar de toda minha bondade minha recompensa tem sido queixas que muito me doem, especialmente sabendo que as crianças estão sendo “educadas” da mesma maneira.
Como sentia falta de minha Johanna durante os meses que passei em solidão, esperando por ela! Quantas vezes voltei à minha casinha aos domingos de noite, molhado até os ossos, e sem uma voz amável me dando as boas vindas e sem uma refeição quente para me dar conforto. Muitas vezes tive de preparar o meu almoço depois do culto de domingo, batatas, ovos e café, para só poder comê-lo depois de 3 horas com pão seco, mas agora, e que Deus seja louvado por ter mudado minha vida, agora o Senhor me enviou sua querida filha para ser minha companheira fiel. Eu estou convencido, meus queridos pais, que considerando as circunstâncias, vocês estão dispostos a separar-se de sua segunda filha e que me consideram merecedor de sua companhia, permitindo-lhe viajar aos rincões do mundo em busca do seu destino.
A minha felicidade com a querida Johanna não tem fim e lhes agradeço de todo coração por este presente e rezo ao Senhor que os abençoe abundantemente. Tudo o que está em meu poder, todos os desejos que posso ler em seus olhos estou preparado a cumprir e espero que assim ela nunca se arrependa dos passos solenes que deu.
A minha saúde está completamente recuperada, graças ao Senhor, e me é possível passar meu tempo livre andando a cavalo com minha esposa, percorrendo campos e matas, o que a ela agrada muitíssimo. Se eu tivesse sabido o que realmente aconteceu, teria feito todo o possível para que chegasse antes e não passasse mais um minuto na “Missionshaus” com a Senhora Inspetora, a qual, maltratava a Johanna sem piedade. Esta enorme mulher, obesa, pançuda e senhorial causou muito dano à saúde de Johanna obrigando-a a tarefas além de sua capacidade física e força, danos que vão ameaçá-la no futuro. Não sei quantas vezes já fiquei lívido de raiva e quis escrever a esta “amável” senhora, pedindo-lhe que no futuro subisse as escadas por conta própria e não contasse com uma jovem mocinha para carregá-la e cair perigosamente, mas minha querida Johanna impede que escreva.
Eu me lembro que fui testemunha uma vez, quando Johanna carregou a esta gordona, sem escrúpulos, por dois andares acima, e eu até lhe chamei atenção sobre danos, e isto antes de nos conhecer-nos. Imaginem, meus queridos pais, que esta mulher preguiçosa, gorda e indolente obrigava uma moça, quase ainda criança, que a carregasse escada acima; esta mulher cuja obesidade, preguiça e negligência total aos seres humanos não foi punida e nem advertida pelo que fazia!
Eu tenho certeza que Johanna sofreu danos interiores carregando este peso excessivo e eu receio que no futuro vão aparecer as consequências. Eu espero que os meus remédios possam ajudá-la, apesar dos danos terem sido sérios. É uma façanha enorme carregar este barril de cebo pesando 200 a 300 libras por uma escadaria de 40 degraus. Para mim é impossível escrever uma carta de “agradecimento” à esta “cara” senhora pelo amor maternal que demostrou à minha Johanna, isto é, se Johanna não o fizer ela mesma. Em minha querida Rússia, como devem ter ouvido contar pelo conterrâneo Senhor Himmel, os criminosos são mandados à Sibéria onde eles devem caçar ou trabalhar nas minas como castigo. Mas até mesmo aí eles tem o direito a uma boa noite de descanso, e mesmo se isto é difícil de acreditar, como posso agradecer à esta mulher tão “amável” e preguiçosa, a Senhora Inspetora, que para não gastar sua energia ou sono, obrigou Johanna a dormir três semanas num sofá, completamente vestida, para poder vir correndo, quando soava a campainha para coçar a mordida das pulgas, das quais os cachorros da madame estavam cheios.
Todas estas ações deixaram uma profunda marca em Johanna e eu espero que esta “senhora” não me considera totalmente sem educação por não agradecer-lhe desde os confins desta selva.
Nós dois estamos muito bem e muito felizes e estaríamos felicíssimos de ter noticias vossas, especialmente que a Mamãe está bem. A minha querida Johanna vai muito bem e tem um ótimo apetite, especialmente, quando servimos melancias, figos, pêssegos e uvas e eu me preocupo que ela possa ficar doente se não tomar cuidado com estas frutas.
Enquanto escrevo estas linhas ela está por cair de sono e eu estou, constantemente, borrando as linhas, pois, ela me estorva. Para o meu consolo posso dizer-lhes que a sua querida filha está desfrutando destas terras e adaptando-se bem à tudo e engordando. O que lhe agrada demais aqui são os bandos de papagaios, macacos e outros animais e, muitas vezes, ela comenta que seria tão bom se Marie estivesse aqui para desfrutá-los também.
É possível, se Deus quiser, que nos transfiram à uma cidadezinha. E agora, finalmente, tenho de encerrar e pedir ao Senhor de todo Israel que os proteja e abençoe e pedimos que lembrem de nós quando fizerem suas orações.
Saudações a vocês e aos parentes queridos,
seus filhos atenciosos Johanna e Eduard
Número
CARTA # 01
Local
Petrópolis
Santo Ângelo
Santo Ângelo
Santo Ângelo
Santo Ângelo
Santa Cruz
Santa Cruz
Santa Cruz
Ferraz
Ferraz
Ferraz
Ferraz
Ferraz
Ferraz
Vila Teresa
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Dois Irmãos
Conventos
Feliz
Feliz
Feliz
São Leopoldo
Santa Cruz
Santa Cruz
Santa Cruz
Conventos
Conventos
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Data
04/01/1871
02/03/1871
28/03/1871
25/06/1871
29/08/1871
07/07/1874
09/10/1875
07/05/1877
10/09/1877
16/06/1878
20/07/1880
06/06/1881
06/08/1881
12/08/1881
28/01/1885
05/12/1886
25/01/1891
10/09/1891
25/09/1892
24/08/1894
23/09/1894
06/01/1895
04/08/1895
01/12/1895
28/11/1896
08/08/1897
18/01/1898
26/12/1898
07/05/1899
08/07/1900
05/05/1901
10/11/1906
10/10/1871
06/05/1872
21/03/1875
21/06/1896
10/10/1898
28/12/1898
11/01/1903
27/06/1903
13/11/1903
25/02/1906
27/05/1906
15/07/1906
19/07/1906
14/11/1912
10/07/1917
Remetente
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna e Eduard F.
Johanna F.F
Johanna e Eduard F.
Johanna e Eduard F.
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Heinrich Eduard F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna e Eduard F.
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Destinatário
Irmã Marie
Pais
Cunhada Tereza
Sobrinha Emma
Irmão Fritz
Irmão Fritz
Sobrinha Emma
Sobrinha Emma
Sobrinha Emma
Sobrinha Emma
Sobrinha Emma
Pastor Hunsche
Madame Abel
Frederico
Futura Nora
Neto Rudi
Frederico