Santo Ângelo, 12 de março de 1871
Querida irmã Marie!
Não me é possível mandar esta carta a nossos pais sem acrescentar algumas linhas para tí porque muito do que escrevo vai interessar só a tí e isto também vai ser um incentivo para que me respondas logo. Eu sei que alguém tem que cutucar-te para que te animes e comeces a escrever. Eu contei ao querido Eduard que começaste uma carta mas a deixaste na mesa, e ele deu uma boa risada e disse que também vai escrever-te uma longa carta mas não vai esquecê-la na mesa.
Por favor, não sejas tão preguiçosa e responde logo! Escreve de tudo que sabes que me interessa. Aqui estou gostando muito de tudo que é parte do Brasil, especialmente estando no meio do mato e é meu desejo que tu e o resto da família pudessem visitar-nos e ver com vossos próprios olhos como tudo é tranquilo e bonito, apesar da simplicidade.
Vou tratar de dar-te uma ideia. Imagina um lugar que faz pouco tempo era um mato fechado e agora está nivelado com casa, cozinha, igreja e galinheiro. A casa ainda não está terminada e enquanto isto moramos na varanda da igreja. Consiste de três quartos. Em um dormem as crianças, no outro nós dormimos e o quarto do meio é onde vivemos e tem uma porta que abre para o lado de fora.
O escritório de meu marido é a floresta. Ele está sentado num toco de árvore, bem sozinho, só com os macacos observando e gritando pois não podem roubar o milho da roça. A igreja também é a sala de aulas e como a parede não vai até o teto eu posso escutar todas as conversas.
Hoje ele esteve muito irritado e deu muitas palmadas. Não podes imaginar que a nossa igreja aqui é como as da Alemanha; estas construções são proibidas. A nossa parece uma casa grande e quadrada e sem portas, pois, a nossa religião não é reconhecida; mas nos ignoram. A religião oficial do país é o catolicismo. Isto não nos aborrece, desde que temos uma boa frequência nos domingos. A cozinha está num prédio separado, mais ou menos 15 passos do prédio principal e construído com troncos de árvores e barro. Aí há um quarto onde comemos e também tem uma despensa. Em várias ocasiões eu tive de cozinhar ao ar livre, de chapéu de palha e capa de chuva, porque estavam instalando o fogão. O galinheiro está atrás da cozinha, construído de pau a pique e um telhado, o chiqueiro é uma construção quadrada construída com vigas, mas os porcos não passam muito tempo aí preferindo estar à vontade por todo o quintal. De vez em quando eles nos visitam na sala e na cozinha, mas isto não arruína o chão bem varrido, pois, é feito de barro bem batido.
A melhor parte do serviço doméstico, e que te agradaria mais, é que não há muito que limpar e tirar o pó. A casa nova terá um assoalho de madeira, mas não muito luxo. Com o correr do tempo a nossa casa vai estar muito confortável, mas o que eu gosto demais é andar a cavalo. Meu querido esposo me comprou uma linda sela de damas e eu o tenho acompanhado em muitos passeios pelas matas, subindo e descendo colinas e por vales profundos. Usando tua imaginação me podes ver de vestido comprido e amarelo, o chapéu de Bärbel com um enorme tope lilás que foi um presente de despedida da Sra. Fabri, e na mão um enorme chicote! O meu esposo, de traje cor cinza e chapéu de feltro, anda atrás de mim para ter certeza que nada vai acontecer à sua querida, e se o atalho é bastante largo, podemos cavalgar lado a lado.
Ontem foi domingo e o culto começou às 10 horas. Eu não me sentia bem e não assisti mas fiquei deitada na cama e podia escutar todo o sermão. Não posso negar que me senti muito confortável. Depois do culto, muitos pacientes apareceram na casa já que o pastor também é um médico bem conhecido. Depois disto, comemos a refeição do meio-dia e saímos a cavalo para visitar a uma senhora enferma, com os mesmos sintomas que a nossa mãe. Eduard tinha a intenção de drenar os fluídos e eu queria ajudar, mas ele achou que esta senhora não queria fazê-lo comigo presente. Assim continuamos o passeio até outra casa para comer uvas. Esta família é muito simpática, mas não na tua presença, bem como os teus bávaros.
Esta manhã o meu marido estava fazendo caçoada:” Vamos, mulher, levanta-te, vamos passear a cavalo”. Ai, a cama estava tão boa, mas eu tinha prometido ontem que iria com ele, e assim, dito e feito, fora da cama, e logo a trote.
Enquanto isto a mocinha ficou de fazer o café e arrumar a casa. Nosso passeio nos levou até a casa de um superior da igreja que é dono de uma loja e de um restaurante, tudo sob um teto, que aqui se chama ”venda”. Compramos algumas coisas, eu estava procurando um par de tamancos como vocês usam lá, porque quando chove não posso ir até a cozinha sem eles. Estarias muito surpresa se pudesses ver tudo que se pode comprar nesta venda: o que está na moda e o que é bugiganga, rendas e crinolinas, tudo em cores berrantes.
Nos convidaram para tomar café e comer pão com mel, e depois visitamos o jardim com flores lindíssimas, como na Alemanha; como as flores que tu e eu compramos em Expositus, só maiores e mais bonitas.
Esta família tem três filhos na nossa escola e como os filhos dos vizinhos passam por aqui para ir junto à escola, todos nos acompanharam. Deverias ter visto a caravana que formamos! Terias morrido de rir: um rapaz estava a cavalo e mais dois montaram com ele, um deles carregava nosso saco de açúcar nas suas costas, o outro levava meus tamancos e o terceiro uma sacola com o seu almoço, pois, devem trazer a sua merenda. Um outro grupo ia a pé carregando cestas e garrafas e todos seguidos pelo Senhor Pastor e sua excelentíssima esposa e assim chegamos em casa, descansados e de muito bom humor! Hoje o almoço consistiu de sopa de arroz e caldo de galinha, galinha frita, salada de batata e molho. Depois todos tomamos uma soneca, pois, o calor era insuportável. Depois de meia hora nos levantamos e os filhos dos vizinhos vieram trazendo melancias, que eu adoro, e nos sentamos fora, meu esposo numa cadeira e eu na varanda e as crianças no chão em nosso redor, com os porcos comendo a casca e as galinhas e o nosso papagaio Peter comendo as sementes. Que grupo! mas estávamos bem à vontade, descansados e tranquilos.
Depois deste lanche estava na hora de escrever cartas. Eu primeiro queria passar roupa, mas como há uma pessoa que viaja à Cachoeira, ele vai levar as cartas. Enquanto escrevemos, o papagaio Peter está empoleirado no encosto da cadeira de meu marido e observa atenta e ruidosamente o que está ocorrendo, a cabecinha balançando para lá e para cá, finalmente pulando no braço de Falk e depois na mesa, perambulando por cima de toda a carta e ficando furioso quando foi espantado, gritando e mordendo.
Quando escureceu caminhamos até à casa de uns vizinhos para mostrar umas fotos da guerra que acabávamos de receber. Bebemos leite e comemos pão branco e depois falamos da tragédia e tristeza produzidas pela guerra. Já era noite quando voltamos para casa e como o caminho segue um riacho, meu esposo acendeu uns galhos secos que iluminaram o traje.
Em casa jantamos e agora estamos passando o serão juntos, escrevendo, ajudando a Lisette desfiar uma touca para sua mãe a qual, eu quero arrumar de novo e Friederike fazendo a lição de aritmética, com muita dificuldade apesar de contar com os dedos, o que deveria ajudar. O mais importante que ocorreu é que hoje, 20 de março, recebi uma carta de Mamãe do dia 6 de janeiro. Me deu grande alegria, especialmente, sabendo que lá todos estão bem. Quanto ao frio de lá eu nem posso imaginá-lo e que as lágrimas caíam eu não sabia, eu me controlei quando me despedi de Mamãe, mas elas rolaram quando ninguém mais me podia ver. Agora Sophia já tem um irmãozinho? E como foi que Böhm conseguiu Emma? Diga a Fritz que me escreva também, me daria muito prazer ter noticias dele. Sinto muito que ele não se casou.
Agora tenho de escrever do meu traje de casamento. Eu vesti o vestido de seda e o véu de Heindel. Eduard queria tirar fotos, mas não podiam fazê-lo em Santa Cruz. Como não estavas aqui, pedi à uma simpática moça daqui de vestido branco e outra também de branco e outras senhoras com saias pretas de seda e blusas brancas.
Como estão os Michels de Stuttgart? Faz tempo que não tenho noticias deles. Tu queres saber se realmente é tão bonito aqui? Em verdade, é muito bonito e se tem de tudo, como na Alemanha e em abundância, assim como pêssegos, figos e melões doces e melancias. Eu fiz passas de figos e ficou muito bom. Bem, o meu papel está acabando, tenho de terminar, mas me escreve em seguida. Sinto muito que perdeste teu cachorro, o nosso também está doente e eu queria que o matassem, mas agora ele melhorou, mas gemía e chorava día e noite. Lembranças aos queridos pais, irmãos e irmãs, Jakob, Bertha, Fritz e Frieder. O que faz ele? Continua ocupado? Recebeste a carta que escrevi do navio? Escreve aos Böhm e lembranças aos Himmel e todos outros parentes e amigos. Mateu e Rosa e todos; escreve com muitos detalhes, especialmente, como está Mamãe? Ela está melhor? O seu cisto inchou de novo? Tudo de bom para ti e não esqueças de rezar, pois, ajuda a todos.
Que Deus te abençoe,
tua irmã
Johanna.
Perto da casa temos um riacho onde buscamos a água e, diversas vezes, vimos aí um jacaré. Eduard queria matá-lo, mas cada vez que chegava perto ele mergulhava.
Querida cunhada Marie.
Peço desculpas por não ter terminado minha carta para ti, mas vou fazê-lo em breve quando escrevo a Himmel.
Muitas lembranças,
teu cunhado
Eduard.
Número
CARTA # 01
Local
Petrópolis
Santo Ângelo
Santo Ângelo
Santo Ângelo
Santo Ângelo
Santa Cruz
Santa Cruz
Santa Cruz
Ferraz
Ferraz
Ferraz
Ferraz
Ferraz
Ferraz
Vila Teresa
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Dois Irmãos
Conventos
Feliz
Feliz
Feliz
São Leopoldo
Santa Cruz
Santa Cruz
Santa Cruz
Conventos
Conventos
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Data
04/01/1871
02/03/1871
28/03/1871
25/06/1871
29/08/1871
07/07/1874
09/10/1875
07/05/1877
10/09/1877
16/06/1878
20/07/1880
06/06/1881
06/08/1881
12/08/1881
28/01/1885
05/12/1886
25/01/1891
10/09/1891
25/09/1892
24/08/1894
23/09/1894
06/01/1895
04/08/1895
01/12/1895
28/11/1896
08/08/1897
18/01/1898
26/12/1898
07/05/1899
08/07/1900
05/05/1901
10/11/1906
10/10/1871
06/05/1872
21/03/1875
21/06/1896
10/10/1898
28/12/1898
11/01/1903
27/06/1903
13/11/1903
25/02/1906
27/05/1906
15/07/1906
19/07/1906
14/11/1912
10/07/1917
Remetente
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna e Eduard F.
Johanna F.F
Johanna e Eduard F.
Johanna e Eduard F.
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Heinrich Eduard F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
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Johanna F.F
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Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna e Eduard F.
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Destinatário
Irmã Marie
Pais
Cunhada Tereza
Sobrinha Emma
Irmão Fritz
Irmão Fritz
Sobrinha Emma
Sobrinha Emma
Sobrinha Emma
Sobrinha Emma
Sobrinha Emma
Pastor Hunsche
Madame Abel
Frederico
Futura Nora
Neto Rudi
Frederico