Petrópolis, 4 DE JANEIRO DE 1871
Queridos pais, irmãos e irmãs!
Apesar de não ter ainda chegado ao meu destino final, estou no Brasil.
Enquanto isso quero participar-lhes como foi a viagem até agora. Mas primeiro quero mandar-lhes meus votos de um Feliz e Sadio Ano Novo. Que o bom Deus os abençoe abundantemente em corpo e alma e que lhes conceda mais muitos anos de vida. E agora, graças ao bom Deus, atravessamos o Atlântico com muito êxito e chegamos com muita alegria ao porto de Rio de Janeiro na noite de 27 de dezembro.
Apesar de ter sofrido muito com enjoos, esta viajem de 4 semanas será para mim, para sempre, uma linda e inesquecível memória. É uma aventura sem igual e eu só desejaria que todos pudessem fazer esta viajem e ver as belezas naturais que o Brasil oferece. A minha última carta a vocês foi mandada da Ilha de S. Vicente. Espero que a tenham recebido e saibam que tudo está transcorrendo bem. Quando partimos da ilha, o navio enfrentou ventos fortes o que atrasou a viagem por dois dias e tivemos de aceitar o fato de que passaríamos o Natal a bordo.
Isto não foi tão ruim, pois todos estávamos encantados com nossa ARIADNE e nada me poderia ter agradado mais do que ficar a bordo até Porto Alegre, infelizmente isto não será possível por causa da pouca profundidade das águas gaúchas e o tamanho da ARIADNE.
Assim gozamos o tempo disponível e desfrutamos das frutas frescas que trouxeram à bordo em S. Vicente, laranjas suculentas, bananas e figos.
Depois de uns dias cruzamos o Equador e eu antecipei um calor horrendo que nos sufocaria, mas, para minha surpresa não se podia notar a diferença e gozamos de brisas frescas. Antes e depois de cruzar o Equador passamos por chuvas torrenciais e cada gota de chuva podia encher um copo! Dizem que isto ocorre quando o Hemisfério Norte e o Sul se encontram.
Durante esta ocasião se serviu champanha para dar boa sorte. Ao anoitecer o deus dos mares, Netuno, nos pagou uma visita. Estava acompanhado de sua esposa e companheiros. Acenderam-se lanternas, soltaram foguetes que escalavam os céus e caíam nas águas num espetáculo de chispas e luzes. A razão da visita de Netuno (um marinheiro disfarçado) é para batizar os passageiros para que não sofram queimaduras de sol. As senhoras lhe deram dinheiro para que não as molhassem, mas os cavalheiros foram menos afortunados e ficaram encharcados. Esta cerimônia durou quase todo o dia e todo o navio estava em constante polvorosa.
As brisas frescas nos acompanharam até o Rio e não tivemos problemas com o calor. Todos esperávamos o Natal ansiosamente mas não se sabia o porquê. Eu fiz um presente para mim com as pérolas de vidro que encontrei no baú de Barmen, contas e pérolas de Mamãe, algumas verdadeiras, outras artificiais, e também fiz uma corrente para meu relógio com as contas de granadas. Refleti que seriam um presente para mim de nossa querida mãe e gostei muito. Natal foi um dia muito quente e eu podia sentir o calor no meu vestido cor de cinza, mas ao mesmo tempo desfrutei do calor, pois, sabia que vocês estavam passando muito frio. Eu prefiro o calor porque sou uma “Frieder congelada” como diz a Mamãe. Para festejar o dia, tomamos todas as refeições do dia no convés. A comida era na tradição britânica e um “plum pudding” flamante fez parte da sobremesa. Parecia que todo o prato estava em chamas o que era muito bonito. O ganso, porém, ficou no forno um pouco demais e estava muito seco.
A melhor coisa foi a champanha que serviam constantemente. Tinha um sabor muito bom e ajudava a alegrar o grupo que oferecia um brinde após o outro. O capitão estava encantado com seus passageiros alegres e também não parava de oferecer brindes, especialmente às senhoritas. O brinde que ofereceu para mim foi longo e emocionante já que admirava muito à mim e Falk, e nos desejava bons votos, para a alegria de todos os presentes. Naturalmente, também muitas lágrimas foram derramadas ao lembrarmos da pátria que deixamos para trás. Um jovem chorava em voz alta e exclamava “mamãe”, “mamãe”. Vejo que estou escrevendo muitos detalhes sem importância e esta carta nunca vai terminar. Tenho de mencionar a vocês a maravilha do firmamento estrelado que admiramos todas as noites e aprendemos os nomes das constelações que são visíveis neste hemisfério. Não podíamos ver os detalhes da cidade do Rio à distancia, mas o que víamos era um mar de milhares de luzes. Estas luzes me deram paz e consolo, pois, significavam a presença de vida e de seres humanos. Tenho que confessar que estava com medo de deixar o navio. Eu havia conhecido uma moça de Hamburgo com quem me dei muito bem e Rio era uma cidade completamente desconhecida e eu tinha de encontrar pessoas a quem não conhecia e aqui no navio todos me conheciam e me admiravam e me mimavam. Cuidaram de mim quando estive doente e depois de recuperar a saúde nunca me deixavam sozinha. Até o capitão adivinhava os meus desejos e estava admirado com os cuidados que eu recebia sem ter feito nada de especial para merecê-los. Eu senti muita gratidão e deixei o navio com relutância. Minhas malas estavam guardadas no fundo do porão e durou mais um dia para que as subissem. Eu não tinha o endereço da pessoa que me esperava. O Dr. Borchard, que havia morado em São Leopoldo e que agora vivia no Rio, ficou de encontrar-se comigo mas o inspetor deu-lhe o nome de outro navio, BORNEO, que tinha chegado quatro semanas antes e ninguém esperava ARIADNE, que era um navio novo.
Eu tinha ouvido falar de um pastor que residia no Rio, mas não tinha o seu endereço. O capitão avisou o consulado, que encontrou o Pastor Wagner que veio me buscar no dia seguinte.
Entrementes eu passei mais um dia agradável à bordo e ao anoitecer tomamos um barco menor até o porto e de lá uma carruagem para ver a cidade e as montanhas que a rodeavam.
É uma cidade magnífica com um planejamento urbano impressionante, montanhas e colinas cobertas com uma vegetação densa, palmeiras, oliveiras, laranjeiras e bananas e toda espécie de árvores, arbustos e trepadeiras misturadas com cercas e mais árvores cobertas com flores de varias cores e que enchiam o ar com seu perfume, uma verdadeira visão do paraíso. Lindíssimas residências estão espalhadas pelas colinas oferecendo uma vista que alegra o coração.
Depois de andar assim pela cidade por umas duas horas paramos num agradável jardim. Estava escurecendo e é a hora quando a cidade desperta. Visitantes vem em grandes grupos, as damas vestidas de branco, porque só se arrumam para sair à noite e descansam em casa durante o dia.
Neste jardim havia um restaurante e para meu prazer, serviam cerveja. Os proprietários do restaurante eram alemães de boa reputação e assim também era a cerveja. Tinha um gosto delicioso, muito melhor que suco de laranja, banana ou outra fruta tropical. Todos se divertiam com minha paixão pela cerveja, mas isso não me incomodava. Finalmente voltamos ao barco que nos levou ao navio para minha última noite à bordo. Na próxima manhã, às 10 horas, o Pastor Wagner veio me buscar. Houve muitas lágrimas ao despedir-nos e minha amiga acenava com seu lencinho ainda por muito tempo. Ela continuou no navio viajando para Buenos Aires, e se o Pastor Wagner não estivesse comigo eu também teria chorado, mas soube me controlar. É uma decisão difícil acompanhar uma pessoa totalmente desconhecida e confiar nela, ainda mais que o Pastor Wagner era suíço, de Basel.
Quando chegamos a sua casa, um quarto de hóspedes me esperava e as boas vindas de sua esposa foram bem cordiais, mas ele era mais dado. Ela é uma pessoa muito quieta o que me deprimiu um pouco. Para minha grande alegria um Sr. Holder passou pela casa durante a tarde e deixou uma carta do Sr. Borchard o qual ficou sabendo da minha chegada e que eu deveria partir imediatamente para Petrópolis. Isto me alegrou muito, pois, eu os conhecia de Barmen e sabia que me esperavam. Viajar não é tão fácil, especialmente, quando não se fala o idioma ou eu teria saído logo para os Borchards. Infelizmente eu não podia sair, porque minhas malas ainda não tinham passado pela alfândega e ainda havia problemas. Assim tive de esperar até segunda-feira, quando os senhores Holden e Wagner me acompanharam até um pequeno vapor que me levaria a Petrópolis.
Estes dois senhores eram meus protetores no Rio e arranjaram meu bilhete e bagagem para Porto Alegre. O navio sairá na sexta-feira às 3 horas da tarde.
A viagem a Petrópolis foi muito interessante. A cidade está situada em uma das montanhas mais altas. Aí está a residência de verão do Imperador e de outros altos funcionários. Primeiro se viaja de vapor por duas horas e depois de trem até os pés da montanha e, então, de carruagem por mais algumas horas. A estrada estava em excelente condição, provavelmente por levar à residência de verão e toda a sua construção foi feita por trabalhadores alemães. Os pobres coitados, vieram ao Brasil para fazer este trabalho duro, pois, os brasileiros tem muita preguiça para construir estradas por ser muito árduo neste calor. Os alemães trabalham muito e estão exaustos e emaciados. Eles já estão aqui uns 25 a 30 anos e sua alimentação é mínima, pois, não há terra arável nestas montanhas.
Aqui me acolheram com muito carinho e eu me sentia como rodeada de minha família neste paraíso terrestre. Ontem a Sra. B. e eu fomos visitar algumas famílias, inclusive o Consul Alemão do norte da Alemanha, uma família simpática mas muito formal. Depois visitamos mais famílias alemãs e finalmente uma cervejaria alemã enorme com a melhor cerveja. Já sei que estão se divertindo comigo por minha paixão pela cerveja, mas é que me surpreendi muito em ver uma fábrica tão grande neste lugar e só queria mencionar este fato caso o Fritz queira vir nos visitar e tem medo que não vai achar cerveja boa! Depois desta visita fomos dar uma volta para ver as belezas naturais e não posso fazer justiça com minha descrição, é mais bonito que a Suíça. Petrópolis é considerada uma das vistas mais lindas do mundo e como o mundo é maravilhoso em toda parte, então, aqui também é maravilhoso. Não! Maravilhoso não descreve bem o que vejo, vocês tem de vir e ver com seus próprios olhos. O calor aqui não é demasiado, ontem choveu e hoje está bastante fresco. As palmeiras se movem na brisa e os arbustos de oleander estão cobertos com flores vermelhas, as cercas cobertas de rosas selvagens estão brilhando e cintilando com as gotas de chuva. Para falar a verdade, a abundância e fertilidade da natureza transformam este lugar numa vista inesquecível. Um pequeno riacho percorre e cruza a cidade e se passa por pontes para pedestres cada 50 metros, com balaustrada pintada de vermelho e sob os ramos de um chorão bem verde. O palácio do Imperador está rodeado por um jardim imaculado e cada embaixador também tem sua residência cercada de bonitos jardins. A embaixada alemã, a francesa, a inglesa, a austríaca, etc. e todos com jardineiros alemães.
A Sra. B. e o esposo são um casal muito amável. Eles não tem filhos e se ocupam com obras de caridade. Eles já me contaram muito de Santo Ângelo, coisas boas e não tão boas, como se acha em todo o mundo.
Falk ainda não sabe que estou por chegar, tenho de escrever-lhe de Porto Alegre. Quando partirmos do Rio no dia 8 chegaremos lá em oito dias. Em Porto Alegre o Pastor Kleingünther vai cuidar de minhas malas e é minha obrigação seguir logo à São Leopoldo, que fica à poucas horas de PA. Ali ficarei dois dias e não esperarei por Falk como havíamos combinado, mas seguirei por vapor até Santa Cruz onde o Pastor Bergfried me acolherá. Ali aguardarei a chegada de Falk e aí nos casaremos. Para mim é um pouco embaraçoso sempre estar dependendo da boa vontade de outras pessoas. Eu gostaria que não fizessem muita festa pelas bodas, de nenhum modo vou permitir um almoço, só uma cerimônia curta e depois partimos. Ao mesmo tempo não vou me preocupar, pois, o bom Deus tem cuidado de tudo até agora, assim que muitas pessoas amáveis e caridosas cruzaram meus caminhos desde que cheguei. A família de Amsterdam que conheci no navio está parando num hotel no Rio e vão viajar comigo à PA. Isto é um consolo para mim, pois, a hospitalidade nos navios brasileiros não é tão boa quanto a inglesa.
Agora quero perguntar como estão todos, especialmente, a querida mamãe? Como eu gostaria de mandar-lhe estas laranjas, quase que não posso mais comê-las, as maçãs da Alemanha eram melhores. Como está Gern? Fritz, Jakob , Bertha e todos? Tiveram um bom Natal? Todas as crianças estiveram aí? Quase todas as noites sonho com vocês, uma mistura de eventos, em geral é o papai me xingando, porque fiz alguma bobagem ou outra coisa. Por favor, passem adiante esta carta à Bertha ou Babette, pois, não vou ter ocasião de escrever nas próximas semanas, especialmente, à cerca da viagem. Eu não queria escrever daqui, mas como não vou ficar muito tempo em S. Leopoldo é melhor fazê-lo agora. A minha próxima carta será de Santo Ângelo. Como estão todos os parentes e conhecidos? Digam-lhes que mando saudações a todos e que este novo mundo é maravilhoso e que estou muito feliz. Eu provavelmente teria tempo para visitar-vos esta tarde e tomar café. Vocês o devem estar tomando agora, pois, há uma diferença de 4 horas no nosso horário. Seria muito melhor contar tudo a vocês em vez de escrever, pois, isto leva tanto tempo.
Lembranças também aos trabalhadores Benze e Mateu e não esqueçam o Frieder. O que aconteceu com o alfaiate de Munique? Ele fez a fatiota de papai?
Vocês sabem que o primo Schultheiss se aposentou e vive num pequeno chalé e não tem mais trabalho para o Frieder. Às vezes não me lembro em que estação estamos; eu sempre imagino que neste calor vocês vão ter uma boa colheita e aí me dou conta que vocês não colhem trigo em janeiro e estão sentados junto ao fogão aquecedor.
Para quando serão as bodas de Fritz? Por favor, respondam em seguida, vocês tem meu endereço. Desejo que todos estejam bem e envio minhas lembranças afetuosas,
sua filha e irmã
Johanna.
Lembranças também à todas as crianças em Gern e que elas pudessem vir e admirar as centenas de milhares de vagalumes que brilham na grama; é muito bonito, também o gorjeio dos pássaros que se ouve de manhã à noite.
Aos rapazes agradariam os petiços, mas também os insetos que picam, especialmente, no Rio. Estou cheia de mordidas e minha face está inchada; a gente se acostuma, mas comicha muito.
Até agora não mencionei a grande quantidade de negros que vivem aqui. A cada passo que se dá a gente encontra um negro. Todas as tarefas modestas e humildes são feitas por eles. Em todos os poços e chafarizes da cidade se podem vê-los, as mulheres muito bem vestidas com trajes modernos, mas sujos.
Número
CARTA # 01
Local
Petrópolis
Santo Ângelo
Santo Ângelo
Santo Ângelo
Santo Ângelo
Santa Cruz
Santa Cruz
Santa Cruz
Ferraz
Ferraz
Ferraz
Ferraz
Ferraz
Ferraz
Vila Teresa
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Conventos
Dois Irmãos
Conventos
Feliz
Feliz
Feliz
São Leopoldo
Santa Cruz
Santa Cruz
Santa Cruz
Conventos
Conventos
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Feliz
Data
04/01/1871
02/03/1871
28/03/1871
25/06/1871
29/08/1871
07/07/1874
09/10/1875
07/05/1877
10/09/1877
16/06/1878
20/07/1880
06/06/1881
06/08/1881
12/08/1881
28/01/1885
05/12/1886
25/01/1891
10/09/1891
25/09/1892
24/08/1894
23/09/1894
06/01/1895
04/08/1895
01/12/1895
28/11/1896
08/08/1897
18/01/1898
26/12/1898
07/05/1899
08/07/1900
05/05/1901
10/11/1906
10/10/1871
06/05/1872
21/03/1875
21/06/1896
10/10/1898
28/12/1898
11/01/1903
27/06/1903
13/11/1903
25/02/1906
27/05/1906
15/07/1906
19/07/1906
14/11/1912
10/07/1917
Remetente
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna e Eduard F.
Johanna F.F
Johanna e Eduard F.
Johanna e Eduard F.
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Heinrich Eduard F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna e Eduard F.
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Johanna F.F
Heinrich Eduard F
Heinrich Eduard F
Destinatário
Irmã Marie
Pais
Cunhada Tereza
Sobrinha Emma
Irmão Fritz
Irmão Fritz
Sobrinha Emma
Sobrinha Emma
Sobrinha Emma
Sobrinha Emma
Sobrinha Emma
Pastor Hunsche
Madame Abel
Frederico
Futura Nora
Neto Rudi
Frederico